quinta-feira, 23 de abril de 2009

Tribalismo

Na aula do dia 17 de abril, analisamos a socialidade contemporânea e o advento das tribos.

“O indivíduo (...) é protagonista de uma ambiência afetuosa que o faz aderir, participar magicamente, a esses pequenos conjuntos viscosos que eu propus chamar de tribos.” (Maffeisoli)

(ambiência = meio material ou moral onde se vive)

De acordo com Maffeisoli, redes de solidariedade se constituem a todo momento, apesar do desencantamento do mundo moderno e da solidão frequentemente relacionada a ele. As características, entretanto, dessas relações que estabelecemos uns com os outros sofrem a influência da época em que se vive.

Citando Watzlawick, o autor fala do “desejo ardente e inabalável de estar de acordo com o grupo”, apontado por pesquisas realizadas nos anos 70. Para Maffeisoli, tal desejo evoluiu para uma realidade na vida cotidiana devido à massificação. Para o indivíduo pós-moderno, estar em conformidade com o grupo é natural, é o meio pelo qual ele se identifica com os outros. Esse ponto de vista vai de encontro ao pensamento de que a sociedade atual é individualizante. O indivíduo não pode existir isolado. Ele está ligado, pela cultura, pela comunicação, pelo lazer e pela moda, a uma comunidade. Dessa forma, o que nos parece ser uma opinião individual muitas vezes é, na verdade, a opinião de um grupo ao qual o indivíduo pertence.

Para o autor, a principal característica da socialidade é que o indivíduo representa papéis dentro dos grupos, ou tribos, dos quais participa. Ele vai mudando seu figurino para assumir o seu lugar nas diversas peças do teatro. Por isso Lemos diz que “a tendência comunitária (tribalismo), a ênfase no presente (presenteísmo) e o paradigma estético (ética da estética) podem ser potencializar e ser potencializados pelo desenvolvimento tecnológico”.

A aparência é uma questão bastante citada pelos autores para a formação de tribos. Através dela, é possível se sentir comum e reconhecer-se. A teatralidade do sujeito, uma das características da sociedade contemporânea, permite que ele experimente, vista diversas fantasias. Além disso, o tribalismo pode ser efêmero: de acordo com as necessidades do momento, ou de como as ocasiões se apresentam, o indivíduo se junta a tal ou tal grupo. Maffeseisoli diz que essa efemeridade é possível graças à rapidez do circuito oferta-procura, o que pode ser observado em sites de relacionamento, por exemplo. Na internet, há grupos (ou tribos) pra quase tudo, desde hábitos alimentares até comportamentos em situações extremas. Em algum deles, o indivíduo há de se encaixar.

O ponto em comum entre os indivíduos que formam uma tribo pode ser muito variado. Pode ser que eles compartilhem comportamentos, preferências musicais e vestimentas, entre outros, como acontece com a tribo dos emos e dos góticos. Pode ser que eles tenham em comum a prática de determinado esporte, como os surfistas e os skatistas. Ainda, pode ser que integrantes de uma tribo não tenham praticamente nada em comum, a não ser quando se encontram para apreciar determinados tipos de bebida, com acontece com as confrarias do vinho e da cerveja. Esses exemplos dão a dimensão da variedade de tribos que existem. Além disso, muitas delas coexistem: um mesmo sujeito, por exemplo, faz parte da tribo dos advogados durante o dia, dos degustadores de vinho à noite, dos freqüentadores de raves nos finais de semana, etc. Em cada um desses momentos, o indivíduo vai representar o papel que se espera dele naquele ambiente: como advogado, manterá a mesma postura que seus colegas, como degustador de vinho, usará os termos técnicos para descrever as características da bebida, e, como freqüentador de rave, se vestirá de forma semelhante aos demais participantes.

Maffesoli cita as principais características dos grupos fundamentados no sentimento partilhado. São elas: comunidade de idéias, preocupações impessoais e estabilidade da estrutura que supera as particularidades dos indivíduos. Segundo ele, é isso que permite usar o termo “alma coletiva”.

É neste contexto que o autor cita o termo “tipo-seita”, do sociólogo E. Troeltsch. A seita é uma comunidade local, na qual basta o sentimento de que se faz parte dela, e que não tem necessidade de uma organização institucional visível. Não há uma autoridade predominante. Podem existir chefes carismáticos e gurus, mas o fato de seus poderes não se apoiarem em uma competência racional ou em uma tradição sacerdotal os torna mais frágeis. Assim, predomina o sentimento de participação em um todo, responsabilidade e proximidade. Cada um é responsável por todos e por cada um.

Podemos ver a importância do afeto (atração - repulsa) na vida social. Ele é “não-consciente” ou, como diz Pareto, “não-lógico”. Ele condiciona as múltiplas atitudes qualificadas de irracionais, observadas em nossos dias. Maffesoli afirma que essas metáforas de tribos e de tribalismo permitem ressaltar a busca de uma vida quotidiana mais hedonista, menos determinada pelo “dever-ser” e pelo trabalho.

É interessante notar que com o passar do tempo alguns dos pequenos bandos se estabilizam. Aí surgem os clubes (esportivo, cultural, etc), ou “sociedades secretas”, com fortes componentes emocionais.

O localismo favorece o que se pode chamar de “espírito de máfia”: na busca da moradia, para a obtenção de um trabalho, ou até mesmo em pequenos privilégios cotidianos, a prioridade será dada aos que pertencem e esses grupos ou aos que se encontram em seus círculos de influência.

As pessoas, entretanto, não estão “presas” a um só grupo, por mais influente que este seja. Elas podem, em um lapso de tempo muito curto, irromper em outro território, em outra tribo, em outra ideologia. Podem, inclusive, participar ao mesmo tempo de uma infinidade de grupos, dando, a cada um, grande ou pequena atenção, conforme melhor lhes convêm.

A comunicação, ao mesmo tempo, verbal e não verbal, constitui uma vasta rede que liga os indivíduos entre si. O autor conceitua rede como sendo um “conjunto inorganizado e, no entanto, sólido, invisível, porém, servindo de ossatura a qualquer conjunto, seja ele qual for”. As informações, assim como as pessoas, não são pertencentes a um grupo específico. Elas circulam entre os indivíduos de uma tribo e entre as tribos. Desta forma, como muitas vezes podemos observar, não podemos conhecer a origem ou o responsável por uma informação ou boato.

No quadro de uma sociedade complexa, cada um vive uma série de experiências que não têm sentido senão dentro do contexto global.


Programa “Tribos”

No ar desde 2006, o programa “Tribos”, do canal pago Multishow, mostra uma nova tribo a cada semana. Apresentado por Daniele Suzuki, a atração apresenta a origem da tribo, o comportamento dos integrantes, as características em comum. Todas as segundas-feiras, às 21h15.

Trechos de alguns programas já exibidos:

Tribo do cosplay: http://www.youtube.com/watch?v=3O9pmS8guss&feature=PlayList&p=709E17ED17CF1D39&playnext=1&playnext_from=PL&index=14

Tribo dos pára-quedistas: http://www.youtube.com/watch?v=9rt_mY2qqoc

Tribos dos góticos: http://www.youtube.com/watch?v=oaG-DYyocQs&feature=PlayList&p=44AF6CAF302CBF71&playnext=1&playnext_from=PL&index=27

Tribo dos ciclistas: http://www.youtube.com/watch?v=Sl9q66lYqIU

Tribo da micareta: http://www.youtube.com/watch?v=5t5TWSPG_Gc

Tribo do toy art: http://www.youtube.com/watch?v=g6ir4givrGk

Tribo dos intercambistas: http://www.youtube.com/watch?v=qdz99sknWeQ

Tribo dos comissários de bordo: http://www.youtube.com/watch?v=G82dCyAGPXU



Isadora Gasparin e Jaciara Rozanski



5 comentários:

  1. gostei bastante da exposição das ideias das colegas e concordo em muitos aspectos. acho que a teatralidade do indivíduo no mundo contemporâneo é a característica que melhor o define. o homem é um ator social e, portanto, interpreta diferentes papeis no dia-a-dia.o fato de ele poder pertencer, simultaneamente, a diversas tribos, impossibilita-o de permanecer isolado, descaracterizando a ideia de que o indivíduo pós-moderno é alguém à parte, cada vez mais fechado no "seu" mundo. por outro lado, tenho certo receio de que essa multiplicidade de papeis os quais ele pode representar possa acabar tornando-o alguém sem "raízes", sem personalidade, pois ao passo que ele pode representar ser de qualquer tribo, na verdade, não pertence a nenhuma.

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  2. A resenha das colegas ficou boa, colocaram as idéias apresentadas pelo autor de forma clara. Acredito que atualmente o fato de representarmos diversos papeis é algo bem evidente, no entanto acho que isso em certos aspectos não é algo inédito na sociedade.

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  3. Acredito que o que mais vemos atualmente é a possibididade de 'participar ao mesmo tempo de uma infinidade de grupos, dando, a cada um, grande ou pequena atenção, conforme melhor lhes convêm.'
    Contanto, com a infinidade de grupos aos quais por vezes as pessoas se associam, é raro ver uma participação efetiva em algum deles. Desde crianças, os indivíduos vão à escola, à aula de dança, futebol, luta, à igreja, etc. Participam de todos eles, mas realmente se dedicam a algum?

    (Ângela Camana)

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  4. “Para o indivíduo pós-moderno, estar em conformidade com o grupo é natural, é o meio pelo qual ele se identifica com os outros.” Acredito que essa seja uma característica muito forte do sujeito contemporâneo, ao mesmo tempo que buscamos ser únicos, optando por roupas customizadas por exemplo, temos uma tendência natural de nos identificarmos com vários tribos, aderindo, muitas vezes, às modas e comportamentos ditadas por elas.
    Achei a resenha das colegas muito boa e completa.

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  5. Gostei da construção e da condução do texto.
    Só queria chamar atenção pro seguinte trecho:
    "Ainda, pode ser que integrantes de uma tribo não tenham praticamente nada em comum, a não ser quando se encontram para apreciar determinados tipos de bebida, com acontece com as confrarias do vinho e da cerveja. Esses exemplos dão a dimensão da variedade de tribos que existem."
    Acho que esse exemplo não conta, pois um hábito em comum, apesar de ser apenas UM hábito, pressupõe um compartilhamento de gostos - ou de ideias, ou vontades, etc.
    É importante não ficarmos presos aos costumes, e sim ao que nos leva a manter os costumes, para podermos entender essa "tribalização" como parte de um processo social. Caso contrário, estudaremos apenas um universo limitado.

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