quinta-feira, 19 de março de 2009

Aula 2

O texto que segue refere-se ao conteúdo abordado na segunda aula (13/03) da disciplina de Cibercultura na Fabico, UFRGS. Como base teórica, tomamos trechos do livro “Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea” de André Lemos, e também os slides apresentados em aula pelo professor Gilberto Consoni.

Cibercultura

Nascida nos anos 50, a partir do surgimento da informática e da cibernética, a cibercultura é hoje, de acordo com André Lemos, a nova forma da cultura – e não apenas uma de suas subdivisões. A relação entre a técnica e a vida social dá origem a esta manifestação cultural que, mesmo estando ainda em seus primórdios, já é uma realidade social planetária. Para compreendê-la, no entanto, faz-se necessária uma reflexão acerca do desenvolvimento do fenômeno técnico, que remonta aos mais primitivos povos.

De acordo com André Lemos, a base para entender os desafios do fenômeno tecnológico passa pela diferenciação entre os conceitos de técnica e tecnologia.

Técnica

Advindo do termo grego tekhnè, a técnica é um conceito filosófico que visa definir o saber fazer humano em oposição à phusis, que se trata do princípio de geração natural das coisas. Ambos os conceitos – tekhnè e phusis – fazem parte do processo de vir a ser, ou seja, a poièsis. Tal dicotomia, fundamental para a compreensão da crítica à qual a tecnologia é hoje submetida, é problematizada por Aristóteles, que afirma serem as coisas artificiais, frutos da tekhnè, inferiores às naturais, existentes graças à phusis. Para o filósofo, a tekhnè é um saber prático que imita e domina a phusis. Da mesma maneira, o saber contemplativo ou teórico da épistèmé, colocado ao lado oposto da tekhnè, é visto por Platão como superior a toda e qualquer atividade prática. O pensamento grego, portanto, relega à técnica o papel de imitação, tanto da natureza quanto da contemplação filosófica.

Lemos apresenta também a perspectiva etnológica de André Leroi-Gourhan para a interpretação do surgimento da técnica. De acordo com Gourhan, o homem é um ser técnico por definição, e a técnica representa em seu desenvolvimento um papel fundamental. Até a fase de formação do córtex, pode-se dizer que a evolução da técnica é de cunho zoológico e influencia também a evolução da espécie. Gradativamente, porém, a técnica desliga-se desta evolução genética e torna-se independente, em um processo de desnaturalização do homem, que por sua vez possibilitou a origem da cultura e da linguagem, diferenciando o ser humano dos demais animais.

O processo de desnaturalização do homem, por sua vez, é profundamente ligado à naturalização dos objetos técnicos. As máquinas, segundo o pensamento de Gilbert Simondon, são as responsáveis pela sensação de que a tecnologia não faz parte da cultura humana, resultando em uma visão equivocada que coloca em planos distintos a técnica e a cultura. De acordo com o filósofo, através da fundação de uma tecno-logia, a qual nomearia-se mecanologia, seríamos capazes de acompanhar a lógica interna que rege o desenvolvimento dos objetos desde as técnicas primitivas, uma vez que na modernidade o homem passa de inventor a operador dos conjuntos maquínicos.

Desenvolvimento da técnica e Surgimento da ciência

Quando o homem passa dessa mencionada fase zooógica para a fase cultural, ele passa a desenvolver as técnicas inerentes a sua existência. Assim, ele domina os objetos técnicos que serão responsáveis pela construção de sua cultura, num processo de artificialização da sociedade.

A técnica é anterior à ciência. A ciência surge devido à necessidade de se interpretar e dominar a natureza e, através desse conhecimento, produzir a tecnologia. Assim, a compreensão da técnica corresponde ao desenvolvimento da ciência.

Durante a dita Fase Mágica, há uma relação primitiva entre o homem e o mundo, na qual ele não distingue técnica e religião. Sendo assim, a existência humana não era caracterizada pelo pensamento racional.

Quando há o desdobramento dessa fase primitiva, ou élan vital (evolução da vida), ocorre uma conseqüente diferenciação por parte do homem entre as ferramentas objetivas (técnicas) e subjetivas (religiosas). Neste momento, o ser humano já possui consciência de sua realidade e passa a agir não somente através de seu instinto, mas também de forma egocêntrica, visando à resolução de problemas individuais.

Do mesmo modo como a técnica e, mais tarde, a ciência advêm da necessidade de resolver os problemas da comunidade com os fenômenos naturais, o surgimento da religião é justificado pela preocupação humana em resolver os problemas espirituais.

Tecnologia

Já a tecnologia se manifesta na sociedade humana à época do progresso industrial, por volta do século XVII. O seu desenvolvimento significa que a técnica da máquina é superior à técnica humana. Essa técnica moderna, ao contrário da técnica primitiva, possui embasamento científico, influenciada pelas idéias desenvolvidas sobretudo a partir do século XVII, como a física newtoniana, o empirismo e a matemática.

A tecnologia é responsável, então, pela organização da sociedade atual em uma forma ecológica denominada tecnosfera, originária do processo de evolução científica e causadora da constituição de uma tecnocultura. Esses conceitos fazem parte do contexto da tecnicidade humana, no qual a tecnociência (desenvolvimento teórico prévio) tem papel fundamental, pois o mundo contemporâneo se encontra fundamentado e sustentado nas idéias científicas.

Consequências da Cibercultura na sociedade

Através da apropriação de elementos da natureza, o homem desenvolve sua técnica e constrói seu espaço cultural no qual as máquinas têm importante papel de facilitar relações e práticas sociais.

Uma das principais características do processo tecnológico atual é a onipresença: as máquinas desenvolvidas pelos homens se tornam essenciais no cotidiano, e a sua existência não é questionada, pois esses instrumentos já fazem parte do ambiente cultural.

A interação sem presença corporal define o caráter objetivo da cibercultura. No ciberespaço, o indivíduo pode definir um destinatário específico para a sua mensagem, favorecendo, assim, o conceito de tribalismo. Há um compartilhamento social das idéias que, no entanto, vai influenciar a formação de grupos a partir de afinidades. Ao mesmo tempo, ocorre uma homogeneização de culturas através da constante troca de informações e emoções entre diferentes comunidades.

Caroline Rocha de Abreu e Débora Gallas Steigleder

18 comentários:

  1. Ótimo texto. Gostei da divisão em tópicos que facilitou a leitura.
    Parabéns!

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  2. A resenha da Carol e da Débora também foi muito boa, apresentaram os conceitos mais marcantes do texto, formando um bom panorama do conteudo estudado.
    Elas apresentaram o texto de uma maneira diferente do que a outra resenha. Essa divisão em tópicos facilitou a visualizaçao do conteúdo, tornando mais fácil a assimilação.

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  3. O texto é muito didático e apresenta os principais termos de maneira clara e concisa. A questão da relação entre técnica e tecnologia é muito bem abordada.
    No último parágrafo ao falar da "homogeneização de culturas" é interessante perceber que este fenômeno está ligado também à "planificação" do mundo e de suas distâncias.

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  4. Resenha muito boa, apresentou tópicos importantes do texto, além do que foi falado em aula. É importante a definição de técnica e tecnologia, pois são aspectos cada vez mais presentes em nossas atividades diárias e na cultura atual.

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  5. A formatação com entretítulos facilitou a compreensão e organização do texto, na minha opinião. A caracterização do que é técnica e do que é tecnologia ficou bastante clara e acessível: um ponto importante, já que a distinção entre os dois termos é necessária na introdução ao assunto da disciplina. Outro ponto que merece destaque é o cuidado com a explicação de cada um dos termos gregos citados por Lemos (tekhnè, phusis, poièsis, épistèmé).
    A questão da onipresença das maquinas desenvolvidas pelos homens é um bom tópico de discussão (a que ponto alguns instrumentos estão tão incorporados ao nosso cotidiano...).

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  6. Primeiro a adulação a produção alheia: sim, sim, muito bom texto. Bem escrito, bem claro. Os dois textos se complementam, pois cada um faz uma abordagem ou escolha do que é mais importante, portanto quem lê é extremamente beneficiado.

    Segundo Simondon, “o homem cria a técnica para resolver os conflitos dos fenômenos da natureza, e a religião para tratar do espírito, do simbólico e do imaginário”. é a passagem mais interessante do texto, pelo menos é o que pensei... Pois, Isso ajuda explicar porque pessoas foram para a fogueira quando tentavam explicar a phusis com o desenvolvimento da técnica. Afinal de contas, a religião na sua base é SOFISTA, as 5 vias de comprovação de deus de Tomás de Aquino, para mim, é a mais pura habilidade sofista na idade média. os sofistas "assassinaram" Sócrates e outros verdadeiros "amigos do saber"; os sofistas assassinaram os "magos" (cientistas, adoradores da Tekhné).

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  7. O estilo do texto está um tanto diferente em relação ao outro, com uma divisão mais didática em tópicos, o que facilia a organização das ideias.

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  8. Dentre todos os tópicos, destaco o que trata da desnaturalização do homem, proceso bastante antigo. Interessante a citação de Gilbert Simondon, que sugere o uso do termo 'mecanologia', pois acredito realmente que as máquinas são as principais responsáveis pelo estranhamento que por vezes temos ao pensar em tecnologia.
    As colegas colocaram muito bem o conteúdo do texto e da aula, facilitando a compreensão através da estrutura por tópicos que propuseram!


    Ângela Camana

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  9. Acho interessante comentar, desta síntese, a parte que fala da onipresença da tecnologia em nossas vidas. Mesmo sem percebermos, estamos cercados por ela, pois está incorporada em nossa cultura. Alguns ainda podem se questionar a respeito de seus males, mas sabemos que seus benefícios são inúmeros, aproximando diferentes "mundos", quebrando barreiras. Já foram realizados, tecnologicamente, sonhos que os nossos antepassados nem sequer ousaram sonhar.
    Ótima síntese, de fácil entendimento e assimilação, pela organizada divisão em tópicos!

    Fernanda Nicolao Mattei

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  10. Diferente do outro texto, esse veio dividido em tópicos o que achei bastante interessante.
    Gostei da parte em que fala das consequências da cibercultura na sociedade, hoje estamos tão acostumados a estar rodiados de aparelhos tecnológicos que eles se tornam essenciais no nosso dia-a-dia. E também é interessante destacar a constante troca de informações e emoções entre diferentes comunidades, que hoje em dia se da rápidamente através da internet por exemplo.

    Rafaela Duarte

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  11. A resenha explicita um ponto de partida para a compreensão de um termo muito discutido atualmente: “cibercultura”. Para buscar sua apreensão, é importante voltar às origens dos fenômenos técnicos e verificar como a sua evolução propiciou o desenvolvimento dessa manifestação cultural.

    Os conceitos ao longo do texto foram bem abordados e a explicação em torno deles foi bem construída, fazendo com que ficasse clara a compreensão global do mesmo.

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  12. Bom, acredito que, didaticamente, a resenha (que aqui ainda me soa mais como resumo do que como resenha, embora em menor relevância que no outro texto da Camila e da Bárbara)ficou mais bem construída e com entendimento mais fácil.

    Por mais contraditório que possa parecer, a divisão em tópicos ajudou no entendimento glboal, considerando as origens históricas, do termo "cibercultura".

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  13. Primeiramente, queria parabenizar as colegas pela estruturação do texto em tópicos que facilitou muita a leitura e compreensão do assunto abordado. Em segundo lugar, quero ressaltar o trecho "O processo de desnaturalização do homem, por sua vez, é profundamente ligado à naturalização dos objetos técnicos." pois acho que mostra exatamente o que vivemos hoje. Muito dos adultos e idosos tem uma certa dificuldade em assimilar as novas tecnologias que os jovens não tem, o que prova a veracidade do trecho.

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  14. Ótimo texto! A estruturação em tópicos realmente facilitou a leitura.
    Uma das questões levantadas no texto e muito comentada atualmente é a onipresença das máquinas, que já estão totalmente inseridas no nosso cotidiano, sem as quais não imaginamos o nosso dia-a dia.
    Realmente o que notamos nos dias de hoje é uma homogeneização de culturas e uma diminuição das fronteiras, possibilitando que nossas relações interpessoais sejam muito mais globais do que antigamente.

    Patrícia Strack

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  15. Muito boa a resenha. Acredito que o ponto crucial da implementação da tecnologia é, como citado no final da resenha, a dependência que essa nos traz. Hoje, sem energia elétrica para alimentar os inúmeros computadores de qualquer empresa/instituição nos remete ao caos, demonstrando como estamos inertes à tecnologia digital. Isso é uma pequena parte da mudança que a tecnologia nos trouxe: até mesmo a vida pessoal, com blogs sendo utilizados como diários abertos remetem à diferença no trato das relações sociais. É neste ponto em que me questiono: até que ponto é válida a exposição
    da vida pessoal de cada um para sentir-se incluído?

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  16. A utilização de tópicos para a escrita desta resenha permitiu uma dinâmica interessante para um texto em blog.
    Os colegas-autores mantiveram as ideias do texto e as exporam de forma muito direta.

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  17. A questão da inserção da informática no cotidiano de cada um traz novas soluções mas, como todas as "revoluções" sociais (aqui entre aspas pois ainda é um fenômeno demograficamente restrito, de certa forma) traz novos paradigmas e questionamentos, relacionados a uma nova problemática. A dependência dos meios de comunicação virtuais parece ser cada vez maior por parte daqueles que as utilizam. Por um lado, é claro, devido aos recursos oferecidos, facilitadores da vida cotidiana. Porém, é preciso também reconhecer os problemas que surgem: a superficialidade, tanto nas relações sociais quanto nas inserções intelectuais, sé para mim o mais relevante.

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  18. O texto ficou muito bem escrito e fácil de entender. Deu para diferenciar bem os conceitos - que, às vezes, podem ficar um pouco confusos. Achei interessante o fato de a cibercultura tornar o homem em um ser onipresente, o que o tornaria um espécie de semi-deus.

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