sexta-feira, 8 de maio de 2009

A Galáxia Internet :Lições de História da Internet

Na aula do dia 24 de abril foi discutida a história da internet, a evolução das tecnologias e a formação das redes de computadores. Como suporte e guia, foi utilizado o primeiro capítulo do livro “A GALÁXIA INTERNET: Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade”, intitulado “Lições de História da Internet”, de autoria de Manuel Castells.

Antes de mais nada, ao estudo não se faz necessária uma explicação passo a passo do desenvolvimento da tecnologia, e o próprio autor confessa que não pretende relatar a história pormenorizada da evolução tecnológica. É preferível, sim, direcionar a leitura histórica a fim de explorar os momentos e os processos chave para a formação das redes de computadores. Para tanto, Castells decide retratar o processo de expansão dessas redes, que surgem como redes internas, com número de computadores e acesso limitado, e acabam por se transformar em uma rede mundial, com uma quantidade massiva de usuários.

Como ponto inicial, o autor destaca a criação da rede ARPANET. Sob o domínio da ARPA (Advanced Research Projects Agency), a elaboração da ARPANET era fruto de uma política de pesquisa que procurava criar uma rede interativa de informática. A princípio, essa rede seria usada para fins militares, com o objetivo último de tornar os EUA tecnologicamente superiores à União Soviética. Contudo, mesmo sob o controle militar, essa rede foi desenvolvida por uma corporação independente - que já colaborava com o Pentágono – e, mais tarde, pelas universidades estadunidenses, criando assim uma situação ambígua, em que ao mesmo tempo em que a criação da rede era motivada pelo belicismo e pela Guerra Fria, a mentalidade universitária desenvolvia essa pesquisa para outros fins – finalidades essas até mesmo desconhecidas e gratuitas.

Desenvolvida a ARPANET, novas redes puderam ser criadas mais facilmente. Nos anos 70, ao que duas outras redes internas foram criadas, a PRNET e a SATNET, os pesquisadores se depararam com um novo conceito, o da rede das redes, cuja lógica era ligar essas três nets independentes e ter a disponibilidade de uma rede mais extensa. Contudo, para elas três se comunicarem era preciso desenvolver uma linguagem em comum entre elas. Cria-se, então, o protocolo TCP (Transmission Control Protocol), que foi dividido posteriormente em um outro protocolo, o IP (Interenet-work Protocol), cuja função seria a de localizar e realizar a comunicação entre computadores de redes distintas. Em meados dos anos 70, a ARPANET passou a ser de controle da Defense Comunication Agency, sendo utilizada para interligar as divisões das forças armadas. Para proteger essa rede de invasões, o Departamento de Defesa cria a MIL-NET, o que fez com que a ARPANET se voltasse apenas à pesquisa novamente. Surge, então, já nos anos 90, a ARPA-INTERNET, concluindo o ciclo de desenvolvimento com motivação militar.

Um novo marco fundamental na história das redes é a abertura ao domínio público da tecnologia responsável pela criação de redes informáticas, que, com a ajuda da comercialização de computadores com entrada para rede, permitiu uma integração rápida entre PCs. Nesse ponto, uma observação importante deve ser feita: mesmo sendo privatizada e não estando sob domínio do corpo estatal, a integração de TCP/IP foi financiada pelo Departamento de Defesa. É notável que empresas privadas se negaram investir em tais pesquisas tecnológicas por desconhecimento das possibilidades que a internet traria. De fato, essa rede de computadores não tinha outra finalidade a não ser facilitar qualquer procedimento interno, e pode-se arriscar afirmar que mesmo quem a desenvolvia o fazia por mera curiosidade. Dessa forma, a iniciativa privada teve um papel muito menor do que o aparato estatal para o desenvolvimento da rede informática, e coube a indivíduos autônomos a função de dar alguma função à rede.

A partir dos anos 80, por fim, foram os softwares desenvolvidos por universitários que garantiram a criação da internet como a conhecemos hoje. Tais softwares eram voltados para o compartilhamento e a integração fácil entre computadores pessoais, estabelecendo, assim, uma nova filosofia científica, que busca inovações técnicas a partir da troca de informações – troca essa aberta e muitas vezes sem fins lucrativos.

A internet é produto de um relacionamento nunca antes visto entre Estado, iniciativa privada e universidades, em que cada elemento dessa cadeia agiu sem criar conflitos. O que fica claro em relação a isso é que essa “boa convivência” só foi possível porque nenhum dos integrantes se pretendia dono do projeto. O aparelho estatal largou a internet quando criou uma rede própria, segura de invasores. A iniciativa privada não adotou o projeto por não perceber qualquer possibilidade de retorno financeiro, apesar de disponibilizar computadores com conexão para rede. Aos universitários, essa nova ferramenta representou a chance de uma revolução individual, cujo desenvolvimento não estava detido a objetivos nacionais ou empresariais, motivado, fundamentalmente, pela curiosidade e pela espontaneidade.

Esse histórico imprimiu no DNA da internet uma cultura de liberdade, herdada da ética hacker em conceitos como copyleft e open source. “A cultura da liberdade individual que se gerou nos campus universitários nos anos 60 e 70, utilizou a ligação informática em rede para os seus próprios fins, na maior parte dos casos, procurando a inovação tecnológica pelo puro prazer de descobrir” (CASTELLS, 2004, p.41). O próprio conceito de rede descentralizada apoiava-se na idéia de autonomia e liberdade, e foi determinante na formação, aspecto e velocidade de propagação da Internet dos dias atuais. A distribuição aberta e gratuita de software e a partilha de recursos foram alguns dos principais responsáveis pela rápida difusão dos protocolos de comunicação entre computadores, além de estabelecerem o código de conduta dos primeiros hackers. O ambiente universitário onde se desenvolveu a ARPANET definiu muitos formatos presentes na internet até hoje. A necessidade de comprovar as primeiras decisões fez com que os primeiros desenvolvedores criassem uma “recolha de comentários” (ou “request for comments”, RFC) para divulgar e discutir os resultados de suas investigações.

Cabe aqui frisar que, apesar de, historicamente o mundo viver o advento da contracultura, com grandes manifestações antibelicistas, os pioneiros da internet não se incomodaram com o fato do Pentágono (organização militar por excelência) estar financiando essas pesquisas, provavelmente por estarem imersos e embriagados naquela “extraordinária aventura tecnológica”. “Sem dúvida, tinham presentes os valores da liberdade individual, do pensamento independente e da ideia de partilhar e cooperar com os seus companheiros, valores que distinguiram a cultura universitária nos anos 60. (...) Esta cultura estudantil tomou a ligação informática em rede como uma ferramenta de comunicação livre e (...) como uma ferramenta de libertação que, em conjunto com o PC, transmitiria a todos o poder da informação, para que se libertasse tanto dos governos como das empresas” (CASTELLS, 2004, p.42-43). Essa cultura libertária possibilitou o surgimento de diferentes redes alternativas que poderiam conectar-se à ARPANET, e consequentemente o desenvolvimento de diferentes usos para a rede.

A transparência característica da Internet, desde seu surgimento, foi viabilizada técnica e socialmente pela diversidade na sua constituição. Mas para que prosperasse como rede mundial seria necessário que o mundo adotasse os protocolos propostos e utilizados pela incipiente rede universitária estadunidense. O padrão europeu firmava-se no protocolo X.25, de controle e responsabilidade essencialmente públicos, em contraponto à ARPANET, que tinha como principal vantagem a flexibilidade porestar fundamentada na diversidade das redes. Essa característica foi fundamental para a predominância do protocolo adotado pela ARPANET, o TCP/IP, pois facilmente pode incorporar as redes baseadas no protocolo X.25, tornando-se assim o padrão, ou standard, para a rede global.

A arquitetura aberta adotada na formação da Internet é tão determinante na sua essência que permeia todos os aspectos da grande rede. Essa filosofia tem permitido um volume de produção e diversidade tecnológica impensável em um ambiente restritivo, com o surgimento de um incontável número de aplicações através da rede: correio eletrônico, chats, banners, e o hipertexto.

Um aspecto curioso apontado no texto de Castells diz respeito à forma “subversiva” sobre a qual a rede se desenvolveu. Diz o autor:

Ninguém disse a Tim Berners-Lee para desenhar a world wide web e este viu-se obrigado a esconder os seus verdadeiros objetivos por algum tempo, já que estava a usar suas horas de trabalho em algo para o qual não tinha sido contratado pelo centro que o empregara. Mas pôde fazê-lo porque contava com o amplo apoio da comunidade Internet, cujos membros apoiavam seu trabalho , que entretanto ia disponibilizando na rede, e estimulado por numerosos hackers em todo o mundo. (CASTELLS, 2004, p.46)

Apesar das ideias de Berners-Lee terem posteriormente sido comercializadas por hackers, ele foi fiel ao ideal hacker, sempre trabalhando pelo interesse público. Tim Berners-Lee agiu sempre como um legítimo hacker, ao lado de nomes como Ted Nelson, Douglas Engelbart, Richard Stallman, Linus Torvalds, entre muitos outros notórios e anônimos hackers responsáveis pelo advento da www.

Pela sua característica aberta, a Internet experimenta um desenvolvimento e crescimento sem precedentes na história da comunicação humana.

Os novos usos da tecnologia, assim como as modificações efetuadas nessa tecnologia, são transmitidas de regresso ao mundo inteiro, em tempo real. Assim, reduz-se extraordinariamente o lapso de tempo decorrido entre os processos de aprendizagem através do uso e a produção para o uso, tendo como resultado a entrada num processo de aprendizagem através da produção, num círculo virtuoso, que se estabelece entre a difusão da tecnologia e seu aperfeiçoamento. (CASTELLS, 2004, p.41)

Castells restringe esse fenômeno a três condições: i) a arquitetura em rede de caráter aberto, descentralizado, distribuído e multidirecional na sua interatividade; ii) todos os protocolos de comunicação abertos, livremente distribuídos e sucetíveis de alterações; e iii)instituições de gerência da rede constituídas pelos princípios de transparência e cooperação inerentes à Internet (2004, p.47).

A gestão da Internet tem seguido os princípios apontados (de transparência e cooperação), determinada pela história ética de seus co-fundadores. A privatização do controle da Internet foi planejada pela NSF desde 1992. Em janeiro daquele ano criou-se a Internet Society, organização sem fins lucrativos encarregada pela supervisão do Comitê de Atividades da Internet (em inglês IAB, Internet Activities Board) e do Grupo de Engenharia de Internet (IEFT, Internet Engeneering Task Force), comandadas pelos respeitados Cerf e Kahn. Seu compromisso com a abertura da rede, seus conhecimentos técnicos e, acima de tudo, sua capacidade de suscitar consensos estimulou a participação internacional na coordenação da Internet, ampliando consideravelmente o alcance da rede.

O controle dos domínios ficou delegada a Jon Postel, um dos fundadores originais da rede, responsável pela IANA (Internet Assigned Numbers Authotity). Inquestionavelmente íntegro, Postel geriu os domínios com justiça, sensatez e neutralidade, “com resultados notáveis quanto à relativa estabilidade e compatibilidade do sistema” (CASTELLS, 2004, p.49). Apesar de seu falecimento, aos 55 anos, em 1998, Postel ainda legou um eficiente projeto de privatização do sistema, com a criação do ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), desde o final daquele ano até hoje responsável pela gestão de domínios. Com princípios de participatividade, transparência e abertura, inerentes à Internet.

Para finalizar tomaremos a liberdade de reproduzir, quase na integralidade, o último parágrafo desse capítulo do livro de Castells, como segue:

[...] o que é surpreendente é que se tenha conseguido uma relativa estabilidade na gestão da Internet sem ter sucumbido, nem na burocracia do governo norte-americano nem no caos das sua estrutura descentralizada. Deve atribuir-se esse equilíbrio, fundamentalmente, à contribuição desses senhores da inovação tecnológica: Cerf, Kahn, Postel, Berners-Lee, e tantos outros, que se esforçaram realmente para conseguir que a Internet se mantivesse como uma rede aberta aos seus colegas, como meio para aprender e partilhar. Nesta concepção comunitária da tecnologia, a fidalguia meritocrática encontrou-se com a contracultura utópica na invenção da Internet, e na defesa do espírito de liberdade, que está na sua origem. A Internet é, antes de tudo, uma criação cultural. (CASTELLS, 2004, p.52)

Castells é um nome de referência quando o assunto é sociedade e tecnologia. Seu livro “A sociedade em rede”, primeira parte da trilogia “A era da informação”, lançado em 1996, já é um novo clássico da sociologia. “Lições de história da Internet” se mostra uma excelente introdução às teorias de Castells, pois faz um relato básico do desenvolvimento da internet, fazendo um recorte nos momentos que acabaram por dar origem à sociedade em rede.

P.S.: Posteriormente voltaremos a editar esse post, incorporando algumas imagens para deixar menos árido o texto.

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